A Educação Marítima em Crise: Um Naufrágio Anunciado
A Educação Marítima em Crise: Um Naufrágio Anunciado

A Educação Marítima em Crise: Um Naufrágio Anunciado

O paradoxo brasileiro: uma nação marítima sem cultura oceânica

O Brasil, com seus mais de 7.400 km de costa e uma Zona Econômica Exclusiva que se estende por milhões de quilômetros quadrados, ostenta uma ligação visceral com o oceano. No entanto, essa relação simbiótica não encontra eco na educação de seus cidadãos. A ausência de políticas públicas efetivas e o baixo investimento na formação de professores e na produção de materiais didáticos adequados condenam a juventude brasileira a uma profunda ignorância sobre o mar que banha o país.

Essa realidade alarmante é corroborada por dados concretos. De acordo com o Censo Escolar de 2020, menos de 1% das escolas brasileiras oferecem disciplinas relacionadas ao mar, um número que contrasta gritantemente com a importância estratégica e econômica do oceano para o país. Como bem aponta o Biólogo Alexander Turra, em entrevista à revista Pesquisa Fapesp (2018):

“a ausência de uma cultura marítima no Brasil é um paradoxo, considerando a nossa extensa costa e a relevância do mar para a nossa história e economia”.

Consequências da negligência: um futuro comprometido

A negligência com a educação marítima no Brasil acarreta uma série de consequências nefastas, que se estendem para além da esfera ambiental:

  • Perda de oportunidades econômicas: O setor marítimo brasileiro, que engloba atividades como pesca, transporte, turismo e exploração de petróleo e gás, é responsável por uma parcela significativa do PIB nacional e emprega milhões de pessoas. No entanto, a falta de profissionais qualificados, resultado direto da lacuna na educação marítima, limita o crescimento desse setor estratégico e impede que o país explore todo o seu potencial. Um estudo da Confederação Nacional da Indústria (CNI) de 2019 estimou que o Brasil poderia aumentar em até 35% o seu PIB se investisse adequadamente no setor marítimo.
  • Degradação ambiental e riscos à saúde: A ausência de conhecimento sobre o oceano e sua importância para o equilíbrio planetário leva à exploração predatória dos recursos marinhos, à poluição descontrolada e à destruição de habitats vitais. O resultado é um ecossistema marinho cada vez mais fragilizado, com impactos na pesca, no turismo e na saúde humana. Um relatório da ONU Meio Ambiente de 2021 alerta para os riscos da poluição marinha por plástico, que afeta a vida marinha e pode entrar na cadeia alimentar humana.
  • Vulnerabilidade às mudanças climáticas: O Brasil, com sua extensa costa densamente povoada, é particularmente vulnerável aos efeitos das mudanças climáticas, como o aumento do nível do mar e a intensificação de eventos extremos. A falta de educação marítima dificulta a compreensão dos riscos e a implementação de medidas de adaptação e mitigação, expondo as comunidades costeiras a um futuro incerto e perigoso. O Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC) já identificou em seu relatório de 2014 diversas áreas costeiras brasileiras sob risco de inundação e erosão devido ao aumento do nível do mar.

Um problema global que exige ação local

A crise na educação marítima não se restringe ao Brasil. Em diversos países, o oceano é tratado como um tema marginal nos currículos escolares, perpetuando um ciclo de desinformação e apatia. Essa lacuna tem repercussões globais, como o declínio da biodiversidade marinha, a ameaça à segurança alimentar e os impactos na saúde humana, conforme relatórios alarmantes do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, 2021) e da Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES, 2019).

É hora de agir: da conscientização à transformação

A negligência com a educação marítima é um problema complexo, mas não insolúvel. É preciso que governos, educadores, organizações da sociedade civil e a comunidade internacional se unam em um esforço conjunto para reverter esse quadro.

Algumas ações prioritárias incluem:

  • Incorporar a educação marítima nos currículos escolares de forma transversal e interdisciplinar, desde a educação infantil até o ensino superior, de modo a fomentar uma cultura oceânica desde cedo.
  • Investir na formação continuada de professores, capacitando-os para abordar temas relacionados ao oceano de forma crítica e contextualizada, utilizando recursos pedagógicos inovadores e promovendo o contato direto com o ambiente marinho.
  • Fortalecer a pesquisa e a inovação em educação marítima, desenvolvendo novas abordagens pedagógicas e criando soluções para os desafios enfrentados pelos oceanos.
  • Promover a conscientização pública sobre a importância do oceano e a necessidade de sua preservação, por meio de campanhas educativas, eventos e ações de comunicação que alcancem diversos públicos.

O futuro do planeta está em jogo

O oceano é o berço da vida na Terra e desempenha um papel fundamental na regulação do clima, na produção de oxigênio, na provisão de alimentos e na absorção de carbono. Negligenciar a educação marítima é hipotecar o futuro das próximas gerações, condenando-as a um mundo marcado pela escassez de recursos, pela degradação ambiental e pelos impactos das mudanças climáticas.

É hora de despertar para a importância do oceano e investir na educação marítima como um instrumento essencial para a construção de um futuro mais sustentável e equitativo para todos. O mar não pode mais esperar, e a nossa responsabilidade é agir agora.

Minha perspectiva:

A inércia diante da crise na educação marítima é inaceitável. Como educador e apaixonado pelo mar, testemunho com tristeza o distanciamento da sociedade brasileira em relação ao oceano, agravado pela falta de investimento e políticas públicas eficazes. É preciso romper com essa apatia e mobilizar esforços para que a educação marítima seja valorizada e integrada de forma efetiva aos currículos escolares. Somente assim poderemos formar cidadãos conscientes e engajados na proteção do nosso maior patrimônio natural e garantir um futuro promissor para as próximas gerações.

Por fim, ainda acredito que, com ações conjuntas e determinação, podemos reverter esse cenário e trilhar um caminho de esperança para o oceano e para todos que dependem dele.

Referências Bibliográficas:

  • CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA (CNI). Oceano: Potencial e desafios para o Brasil. Brasília, 2019.
  • ONU MEIO AMBIENTE. From Pollution to Solution: a global assessment of marine litter and plastic pollution. Nairobi, 2021.
  • PAINEL BRASILEIRO DE MUDANÇAS CLIMÁTICAS (PBMC). Impactos, vulnerabilidades e adaptação às mudanças climáticas na costa brasileira. Rio de Janeiro, 2014.
  • PAINEL INTERGOVERNAMENTAL SOBRE MUDANÇAS CLIMÁTICAS (IPCC). Climate Change 2021: The Physical Science Basis. Contribution of Working Group I to the Sixth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change. Genebra, 2021.  
  • PLATAFORMA INTERGOVERNAMENTAL SOBRE BIODIVERSIDADE E SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS (IPBES). Global Assessment Report on Biodiversity and Ecosystem Services. Bonn, 2019.
  • TURRA, A. Entrevista. Revista Pesquisa Fapesp, São Paulo, 2018.

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